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Análise rápida de DNA permite melhorar lavouras

Todo ser vivo tem ácido desoxirribonucleico (DNA) no núcleo de suas células. É ele que contém as informações genéticas dos organismos. Nada mais natural, então, do que analisar essa molécula a fim de identificar alvos biológicos no campo e melhorar processos no agronegócio — um segmento que sofre com ataques de microrganismos.

É isso que a startup de biotecnologia Doroth faz. A empresa é uma das primeiras a produzir testes rápidos com amplificação isotérmica mediada por loop (LAMP) embarcada em chips microfluídicos. A tecnologia permite identificar, diretamente no DNA, mutações, polimorfismos de nucleotídeo único – variações na sequência ou SNPS, em inglês –, genes transgênicos, genes resistentes e barcodings (sequências curtas de pares de bases). Além disso, todo o protocolo de extração de DNA da amostra é inserido em chips, o que torna a solução 100% livre da necessidade de estrutura laboratorial ou técnicos treinados. Dessa forma, é possível identificar alvos biológicos em lavouras diretamente no local.

Muito similar ao processo da reação em cadeia da polimerase (PCR) — técnica que se tornou amplamente conhecida durante a pandemia de COVID-19 —, a LAMP é padrão ouro para identificação genética. “Um PCR para COVID-19 tem, atualmente, precisão acima de 99% — a depender do protocolo, pode chegar a 99,6% —, só que ele é processado em laboratório”, explica o engenheiro de biotecnologia Rodrigo Gurdos, fundador e diretor de novos negócios da Doroth. “Nossa solução leva esse grau de precisão para o agronegócio lá no campo.”

A startup é pioneira nesse tipo de identificação e se dedica, por meio de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a constatar alvos biológicos em grãos, folhas e no ar — mas o método pode ser aplicado a qualquer tipo de amostra biológica. Entre os clientes da startup estão empresas como Suzano, FMC Agrícola, Corteva e Genesis Group. “A Corteva quer reconhecer transgênicos em folhas para efetuar a cobrança de royalties“, conta Gurdos. “J&aacu te; a Suzano busca detectar a Ralstonia, bactéria que causa a principal doença em mudas de eucaliptos, antes dos primeiros sintomas.”

A FMC Agrícola, por sua vez, quer identificar o fungo Phakopsora pachyrhizi, o principal causador de doença na soja. “Esse microrganismo tem dispersão aérea e a empresa quer detectá-lo no ar antes mesmo de a planta ser contaminada.” O objetivo é evitar que a lavoura seja atingida por ferrugem asiática, um mal que surgiu na Ásia e hoje está disseminado no Brasil. A doença preocupa os produtores porque pode levar a perdas totais se não houver controle.

Para fazer esses testes, a Doroth usa um chip microfluídico com todos os reagentes necessários para extrair o DNA da amostra e realizar a técnica LAMP. Esse chip com a amostra é então inserido no equipamento da Doroth. “É como se fosse uma cafeteira de cápsula: lá dentro vão a amostra e o chip. A máquina, então, faz todo o processamento de forma automatizada sem qualquer interação humana.” Gurdos destaca que o aparelho é resistente às condições peculiares do ambiente do agronegócio, o que inclui transporte pouco delicado e altas temperaturas, entre outros.

Combate da ferrugem asiática

A pesquisa que levou à criação da empresa começou em 2018. “À época, queríamos descobrir quais eram a maior cultura e a maior doença do agronegócio. Constatamos que a maior cultura era a soja, que tinha cerca de 43 milhões de hectares, e a maior doença era a ferrugem asiática”, lembra. Como o produtor não sabe quando ela chega, aplica fungicida a cada 15 dias para se proteger — o ciclo da lavoura de soja é de aproximadamente 110 dias. “A aplicação ocorre cerca de quatro a cinco vezes nesse período. Isso representa um gasto exorbitante e desnecessário. Pensamos: e se ele souber quando a ferrugem chega à fazenda, isso pode mudar esse comportamento?”

A partir daí, a equipe criou a solução. Não foi fácil, porque a tecnologia era muito nova: eles já a exploravam em 2018, mas a LAMP só se popularizou durante a pandemia de COVID-19, em 2020. “A vantagem da LAMP é usar uma temperatura única: em torno de 67 °C, ela já produz reação. Já o PCR depende de alterações cíclicas de temperatura [um processo conhecido como termociclagem] e isso é muito difícil de reproduzir fora do laboratório. Com a LAMP, é possível realizar testes rápidos e extremamente precisos no local.” Segundo Gurdos, um equipamento para execução PCR pode custar R$ 100 mil. “O nosso produto custa uma fração desse valor.”

Com o tempo, a equipe descobriu outras aplicações para a tecnologia. “Um exemplo é a identificação de genes resistentes. Quem tem daninhas na fazenda costuma combatê-las com herbicidas, mas muitas vezes não sabe qual o melhor químico. Nosso equipamente pode, em uma hora, determinar se a espécie que ataca a lavoura tem um gene resistente a uma determinada molécula. Assim, o produtor pode evitar aquele princípio ativo e escolher uma opção mais eficiente.”

A equipe da startup tem, atualmente, 16 profissionais e a maioria deles é pós-doutor em suas áreas — um diferencial e tanto no mercado, já que esse perfil é encontrado normalmente apenas em universidades. “Temos essa estrutura graças ao PIPE da FAPESP. Esse investimento permite que a gente erre: isso é natural em ciência, mas investidores comuns não compreendem.”

Outros mercados já são observados pela startup. Um deles é a pecuária, em que diferentes doenças podem atingir os animais. “Podemos identificar qual o melhor antibiótico para aplicar neles e, assim, evitar outras contaminações. Além de pioneira, a Doroth é a única que hoje tem capacidade de produzir esses testes. Estamos na vanguarda dessa tecnologia e temos muito orgulho de ser um projeto totalmente nacional.”

Aumento de escala

Nos próximos dois anos, o objetivo da empresa é industrializar a solução e produzi-la em larga escala. “Precisamos aprender a fazer isso, porque ainda não existe uma indústria como essa.” Em seguida, a equipe deve expandir a atuação para outros segmentos, como a pecuária. “É interessante porque as próprias empresas nos procuram com suas dificuldades. O objetivo é que, no fim de 2025, tenhamos de 30 a 40 profissionais na equipe.”

E não para por aí: a tecnologia da Doroth pode, ainda, ser usada em situações extremas. Se tivermos uma outra pandemia, por exemplo, a solução pode ser útil. “Nosso foco hoje é o agronegócio, mas, em uma situação emergencial, nada impede que usemos essa tecnologia, que é totalmente nacional, em outras áreas. Não é nosso foco, mas tem potencial se for necessário.”

O pesquisador explica que a Doroth aperfeiçoou o conceito usado pela Lucira, a primeira empresa no mundo a fazer testes rápidos para COVID-19 com tecnologia LAMP. “Ela é nossa referência, mas, no caso deles, todo o dispositivo usado para o teste é descartável. No nosso, apenas a ‘cápsula da cafeteira’ é”, compara.

O nome Doroth é uma alusão ao filme O mágico de Oz, mas a referência veio de outra produção cinematográfica: o filme Twister de 1996, em que cientistas tentam colocar sensores em tornados para prever sua chegada. Quando a empresa foi criada, seu nome era 2-seq, mas logo ficou claro que não era uma boa opção. “O Twister foi a primeira referência que tivemos de uso de internet das coisas [IoT] no agronegócio. Como o equipamento utilizado se chamava Doroth, resolvemos adotar esse nome. E todo mundo gosta dele”, diz.

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