Mapa da Cachaça revela o Brasil através de produtores artesanais
Projeto que começou como hobby, hoje reconhecido pelo MinC, abre espaço colaborativo para o cadastro e pesquisa da bebida nacional
Final de faculdade, vida social, trabalhos atrasados, elaboração de TCC e, ainda, um projeto paralelo. Felipe
Jannuzzi conta como foi a elaboração e estruturação do Mapa da Cachaça, projeto da época da faculdade que hoje é reconhecido pelo Ministério da Cultura (MinC) e foi representante da gastronomia brasileira na Copa do Mundo de 2014.
“Eu sempre tive curiosidade de conhecer o Brasil. Acho muito mais interessante falar do país citando sua gastronomia”, conta Jannuzzi inspirado pelo livro “Vinho & Guerra”, de Don e Petie Kladztrup, que narra a história da II Guerra Mundial sob a perspectiva dos pequenos produtores de vinho da França. “Às vezes uma aula de culinária pode ser muito mais rica do que a de história”.
A cachaça é um ingrediente presente na gastronomia de todo o território nacional. A vontade de entender o país e um pouco mais da danada foi o que motivou o início da pesquisa, iniciada com a namorada, a produtora audiovisual Gabriela Barreto. O objetivo era aprender sobre a cangibrina, vista com frequência nas prateleiras de bares e restaurantes, retratada cada vez de uma maneira diferente, com rótulos engraçados, garrafas diferentes ou nomes estranhos. “Nós sabíamos que era brasileira, mas era só isso”.
Cursando audiovisual pela UFSCar, a primeira o opção era criar um documentário sobre a dita-cuja. De onde surgiu? Como é feita? Quem são os produtores atuais? Essas eram algumas das questões a serem abordadas no projeto. Porém, no decorrer da pesquisa, foram descobertas 4.000 marcas. “Um documentário seria muito interessante, mas morreria ali naquela uma hora e meia”. Criaram então uma ferramenta online onde qualquer pessoa poderia entrar e cadastrar um alambique e a sua localização, formando um mapa, o Mapa da Cachaça.
“Aos poucos o site foi ficando maduro, com segmentações diferentes: turismo, gastronomia, história do Brasil, design brasileiro (analisado por meio dos rótulos das cachaças), entre outras possibilidades que podem ainda ser exploradas”. Hoje, por exemplo, os fundadores do Mapa estão voltados para um estudo sensorial da faz-me-rir para entender os diferentes processos de produção e como influenciam no resultado final. Com o objetivo de valorizar esses produtores artesanais e informar ao consumidor, a dupla aumenta a informação sobre o processo. Caso contrário, a nova geração produzirá o que mais vende no mercado, perdendo, assim, a riqueza histórica da marvada.
“A gente acabou de pegar uma série de cachaças para tirar foto em estúdio, para saber a cor de cada uma delas. Estamos criando uma metodologia para depois começar avaliar as cachaças”. O processo para a produção é basicamente o mesmo: cana-de-açúcar, mói, fermenta e destila, podendo envelhecer, ou não, em um barril de madeira. Em Parati, por exemplo, são usadas leveduras locais para a fermentação e a aguardente é envelhecida em barril neutro. Em Salinas, é usado o barril de balsamo, que atrela um gosto de especiarias à bebida e dá uma coloração diferente. “O consumidor deve saber que elas não são concorrentes, são diferentes”.
O projeto, que começou em 2010, era esporádico. Viagens de Carnaval para o sul de Minas Gerais e em feriados para o interior de São Paulo eram os modos que encontraram para pesquisar e criar conteúdo para o site. A busca pela gostosa se intensificou após parcerias que possibilitaram a criação de conteúdo e receber um retorno financeiro por isso.
Em 2012, venceram como melhor projeto de mapeamento cultural pela Secretaria de Cultura Digital do Ministério da Cultura. “Foi uma grande conquista ter um projeto sobre cachaça, um tema com certo estigma e preconceito, vencedor. E foi o momento em que vimos que estávamos no caminho certo.” Representantes oficiais da gastronomia brasileira na Copa do Mundo de 2014, elaboraram livros, vídeos, eventos, um amplo material sobre a animadeira. E receberam uma verba de R$ 250 mil do MinC para isso.
Segundo Felipe, é possível abordar a branquinha em todas as plataformas. O CD Bebida Nacional, projeto elaborado por Alessandro Corrêa em parceria com o site, é um exemplo. “É um mapeamento musical da cachaça. Música boa para ouvir enquanto saboreia a bebida”. Além de livros, cartazes, sites e o mapa, são diversos os recursos para falar do mesmo tema.
O laboratório da cachaça coloca profissionais de áreas distintas em contato com a dindinha para melhor entender o processo de produção. A primeira reunião contou com um cheff de cozinha, um mixologista, um químico e um somelier de cachaça para experimentarem e diferenciarem o que cada madeira trazia para o gosto da bebida. “Essa pesquisa é um projeto contínuo. O primeiro passo é a criação da metodologia específica. Depois, o Mapa de Aroma”.
A ideia do Mapa da Cachaça é ser uma fonte de informação incorruptível sobre a quero-mais, uma curadoria. Hoje há algumas parcerias de marcas produzindo conteúdo no site, mas sem propaganda. “A gente não quer trabalhar com a marca e, sim, com o segmento da cachaça artesanal”.
Dizem-se inflexíveis, rejeitando proposta de grandes indústrias para valorizarem as cachaças artesanais. “Nosso compromisso é com o consumidor, ele não vai entender a diferença de X e Y. Indústrias produzem a bebida de forma normal, de baixa qualidade, colocando um rótulo diferente para competir com produtores artesanais”. Felipe finaliza com o que acredita ser o próximo passo para o sucesso: “devemos nos manter fieis à nossa ideologia, inflexíveis à indústria. Pode parecer teimosia no começo, mas a médio ou longo prazo acredito que teremos o retorno”.